terça-feira, 28 de abril de 2009

CARTÓRIOS SOB INVESTIGAÇÃO!

FONTE: JORNAL DO COMERCIO
http://jc3.uol.com.br/jornal/

Cartórios são a porta da cidadania. Garantem do direito fundamental a um nome até a segurança da atividade econômica. Apesar da grande responsabilidade e de faturar bilhões, são uma caixa-preta em vários Estados. Em 2008, o Judiciário de Pernambuco passou a fiscalizá-los de forma mais intensiva e se deparou com sonegação, corrupção e práticas que lesam cidadãos e empresas. Até a próxima quinta-feira, o JC decifra a atividade e mostra ainda casos curiosos, na série de reportagens Carimbo suspeito. Os textos são de Giovanni Sandes e Gilvan Oliveira. As fotos, de Hélia Scheppa.

Eles moram juntos há 22 anos. Tratam-se como casados, mas, até o último mês, não tinham “papel passado”. Ela sonhava com isso e se impôs usar aliança só depois do casamento. Os dois já haviam sido casados. João Evangelista da Silva, 53 anos, lutou oito anos para conseguir na Justiça seu divórcio. Sua esposa, Antônia Maria Amorim, 62 anos, separou-se rápido, em dias. Após tanta espera, quando tudo parecia pronto para a humilde e aguardada cerimônia, regada a cervejinhas e refrigerantes, o casal foi vítima de uma irregularidade no cartório que, por pouco, não acabou com o sonho de oficializar a união. Ao tentar registrar seu divórcio com a ex-mulher, João foi cobrado por um serviço que deveria ser de graça. A despesa imprevista pesaria mais no bolso dos dois do que a festinha improvisada para não deixar a nova união passar em branco.
Desde o ano passado, a Corregedoria-Geral da Justiça de Pernambuco (CGJ-PE) comprou briga com os cartórios. Não se trata de caça às bruxas. Mas há muito tempo a atividade vinha sendo mal fiscalizada, apesar da robusta e eficiente máquina arrecadatória das serventias extrajudiciais (como também são chamados os cartórios).

Essas serventias movimentaram no Estado, em 2005, R$ 48 milhões. No ano passado, esse dinheiro chegou a R$ 97,4 milhões, um impressionante salto de 101% nos últimos três anos. Para dar alguma referência do tamanho do crescimento, segundo a Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas (Condepe/Fidem), toda a economia pernambucana avançou, de 2005 a 2008, 18,1%. Ou seja, o percentual de alta na arrecadação dos cartórios foi cinco vezes superior ao da economia de Pernambuco, um salto de fazer inveja a muitas indústrias.

Apesar de suscitar muitas críticas, a atividade dos cartórios tem amparo na Constituição e existe para resguardar a atividade econômica. São os selos e carimbos oficiais que tornam seguras as informações necessárias para vários negócios, registrando contratos, imóveis, cuidando de cobranças de títulos não pagos, além do registro de vida e morte de cada cidadão. O desempenho dessa atividade vem da Europa do século XIV, dos países de origem latina. Apareceu exatamente pela carência de alguém que garantisse a veracidade de informações prestadas em papéis.

No Brasil, os cartórios são herança portuguesa e vêm das capitanias hereditárias, as primeiras divisões territoriais do País. Ambos, capitanias e cartórios, passavam de pai para filho. Essa cultura familiar, nas capitanias, acabou em 1759. Nos cartórios, não. Desde 1988, porém, os tabeliães (titulares das serventias) deveriam ser escolhidos através de concursos públicos. Há Estados que nunca fizeram tal seleção. E os que fizeram receberam pesada artilharia jurídica dos empossados ainda sob o velho sistema.

A atividade é tão fechada que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem dificuldade de acompanhar a movimentação financeira dos cartórios, nacionalmente. Segundo Marcelo Berthe, juiz auxiliar da presidência do CNJ, as informações são levantadas e repassadas pelos Estados, mas alguns deles simplesmente negligenciaram a atividade, o que dificulta um cálculo exato sobre as cifras movimentadas. Mas é possível se ter uma ideia. Em maio do ano passado, quando o Conselho divulgou um estudo sobre os cartórios, os dados mais recentes de um “ano fechado” apontava que, em 2006, a atividade faturou mais de R$ 4 bilhões no País.

Com tanta responsabilidade, os cartórios são obrigados a seguir regras estritas do Judiciário de cada Estado, como uma tabela única de preços, além de garantir a segurança na prestação do serviço. A Justiça, por outro lado, faz duas cobranças sobre os cartórios. Em Pernambuco, uma delas é a taxa do fundo de gratuidade (Ferc), que banca certidões de casamento, óbito e nascimento dos mais pobres. A outra, a taxa incidente sobre a utilização dos serviços notariais ou de registros (TSNR), custeia investimentos físicos do Tribunal de Justiça.

Porém, ano passado, com a fiscalização da Corregedoria, foram descobertos casos de sonegação em que cartórios passaram até cinco anos sem repassar sequer R$ 1 dessas taxas para o Judiciário. Também surgiram graves casos de má prestação de serviços e corrupção. Tabeliães começaram a ser afastados e os cartórios sob sua responsabilidade, a sofrer intervenção.

Um primeiro sintoma de sonegação generalizada foi que, apenas entre fevereiro e julho de 2008, quando a Corregedoria começou a checar informações sobre a arrecadação no Estado, o repasse dos cartórios ao Judiciário subiu 60%. Em setembro, apurou-se que 25% dos investigados apresentavam irregularidades. Até agora, oito tabeliães foram afastados. Mas há muito o que fiscalizar. São 498 cartórios no Estado.

No caso do então noivo João Evangelista, depois que obteve na Justiça seu divórcio, ele foi a um cartório que cobrou R$ 150 pela averbação (registro oficial) da separação judicial, o que representa dois graves problemas. O primeiro é que ele recebeu assistência judiciária e teria direito a gratuidade, o segundo, que o valor é o dobro do estipulado pelo Judiciário. “O cartório dizia que estava fazendo quatro procedimentos, mas eu tinha direito ao serviço de graça”, lembra João. “Como ela (a tabeliã) viu que ele não estava aceitando as explicações, devolveu o dinheiro”, emenda Antônia. A cobrança indevida é um dos casos sob investigação da Corregedoria.

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